
O ciúme doentio de Venâncio causou uma tragédia irreparável na vida de Dalva. E é justamente este acontecimento que abre espaço para que Lucy, a prostituta mais cobiçada da cidade, se coloque entre o casal. O que parece um simples triângulo amoroso, porém, se torna uma poderosa história sobre perda, obsessão, dor, perdão e muito do que que deságua nos rios que correm dentro de nós.
Eu não poderia começar a falar sobre Tudo é rio sem dizer que Carla Madeira tem uma das escritas mais maravilhosas que já tive o prazer de ler. Crua e brutal, sim, mas também de leveza e beleza inexplicáveis. O resultado dessa combinação é um texto que parece nos abraçar, ora nos acolhendo, ora nos sufocando, mas nunca nos soltando. Com certeza, o ponto alto da minha experiência de leitura.
No entanto, se eu dissesse que gostei de Tudo é rio como esperava, estaria mentindo. Como muitos leitores, fiquei extremamente incomodada com o desfecho da história, que aborda temas densos como pedofilia, prostituição, violência e abuso. Por outro lado, esse incômodo só me trouxe mais reflexões. Afinal, até que ponto um autor não pode apenas retratar uma realidade, sem a obrigação de julgar e condenar os atos de seus próprios personagens?
E se Aurora (e sua maravilhosa carta) foi outro ponto alto de Tudo é rio, Lucy não me agradou. Imagino que a ideia da autora tenha sido retratar uma mulher que é dona de si e de seus desejos, o que funciona apenas até certo momento. Isso porque não achei que a personagem tenha sido bem construída, o que acabou tornando rasa também a questão da prostituição. Mais uma vez, o papel do autor não é conscientizar seu leitor sobre tudo. Mas, ao ignorar algumas questões, a narrativa também pode acabar prejudicada, como foi o caso aqui.
Não fica claro em que ano ou época se passa Tudo é rio, o que achei uma ótima sacada de Carla Madeira. Para mim, ficou subentendido que as problemáticas retratadas na história são, infelizmente, atemporais. Aconteceram no passado, acontecem no presente e ainda irão acontecer no futuro – com frequências diferentes, talvez, mas com o mesmo poder de destruição. E de toda a complexidade que Tudo é rio aborda, a maior é o perdão. Como espectadores da história, é fácil julgar. Mas a verdade é que nem nós sabemos o curso que os rios dentro de nós podem tomar…
Editora: Record
Autora: Carla Madeira
Publicação original: 2014
Contém gatilhos de violência, pedofilia e abuso