
A Casa não é apenas o lar de Piranesi. É também o seu mundo. Sozinho em grande parte do tempo, ele registra em seus diários cada detalhe da Casa e também seus eventuais encontros com o Outro, sua única companhia. Certo dia, mensagens escritas a giz aparecem no chão dos imponentes salões. O Outro diz que aquelas palavras podem levar Piranesi à loucura. Verdade ou mentira, fato é que o mundo que ele conhece está em risco.
Uma obra-prima. É assim que defino Piranesi, o livro que rendeu a Susanna Clarke o Women’s Prize for Fiction em 2021. Porém, não vou mentir: a leitura foi um verdadeiro desafio, especialmente no início – eu tive certa dificuldade para visualizar a Casa. No entanto, quando nos acostumamos à voz de Piranesi, tudo passa a fazer sentido de uma maneira quase assustadora.
Em sua inocência, Piranesi não enxerga o mesmo que o leitor, porque nós vemos refletida na Casa a crueldade que já conhecemos do nosso mundo. Mas é bonito, e até inspirador, ver como ele reverencia seu lar, seu universo. E também é triste perceber o quanto isso contrasta com a forma com que tratamos a “nossa casa”. Muitas vezes, em nome do progresso, não respeitamos a nossa terra. E em nossa arrogância, recebemos o que ela dá e ainda tiramos mais.
O título do livro faz referência a Giovanni Battista Piranesi, um artista italiano famoso pela série de 16 gravuras intituladas Carceri d’invenzione (algo como “prisões imaginárias”). Entender como o conceito de Piranesi se conecta ao labirinto que nos é apresentado por Clarke é fácil. E é exatamente isso que permite que praticamente tudo nessa original e intrigante trama fique a cargo da interpretação de cada leitor.
Piranesi nos desafia a refletir também sobre o que é real e o que é imaginário – dentro e fora da história. Afinal, se um cenário onírico nos traz aprendizados, então, ele também não se torna real em alguma medida? E como falar sobre o livro sem entregar demais é um desafio enorme, digo apenas que, no fim, não importa o mundo em que vivemos: se há pessoas, há caos. Mas onde não há, há vazio. O que você escolheria, se pudesse?
Título original: Piranesi
Editora: Morro Branco
Autora: Susanna Clarke
Tradução: Heci Regina Candiani
Publicação original: 2020
Parceria paga com Editora Morro Branco