Resenha de Herdeiras do Mar – Mary Lynn Bracht

Você sabe quem foram as “mulheres de consolo”?

Aos 16 anos, Hana salvou a irmã mais nova, Emi, de ser capturada por um soldado japonês durante a Segunda Guerra Mundial. Porém, sequestrada no lugar da irmã, a garota foi levada a um bordel militar na região da Manchúria, onde se tornou uma “mulher de consolo”. E foi assim que, como muitas outras meninas coreanas, Hana foi condenada à escravidão sexual e viveu horrores inimagináveis.

Quando pensamos sobre a Segunda Guerra Mundial, logo vêm à mente o Holocausto. E é claro que o genocídio de mais de 6 milhões de judeus deve ser lembrado para sempre. No entanto, como toda história, a SGM tem vários ângulos. E como de costume, nós priorizamos a ótica ocidental. É por isso que, entre todos os adjetivos elogiosos que eu poderia usar para descrever Herdeiras do Mar, acredito que “necessário” seja o mais importante.

As situações pelas quais Hana passou foram além do desumano. E é extremamente doloroso saber que pelo menos 50 mil mulheres, de países como Coreia, China, Vietnã, entre outros, realmente passaram por isso. E pior: sentiram tanta vergonha pelas coisas das quais não tiveram culpa alguma que se calaram – até 1991, quando Kim Hak-sun compartilhou sua história como “mulher de consolo”, incentivando muitas outras a fazerem o mesmo.

Assim como Pachinko, a obra de estreia de Mary Lynn Bracht retrata a Ocupação japonesa da Coreia e mostra os absurdos propagados pelos japoneses. E além de nos apresentar a uma faceta deliberadamente esquecida da SGM, explora os rastros que uma guerra deixa: além dos milhões de pessoas que perderam a vida, aquelas que sobreviveram foram obrigadas a viver vidas inteiras com cicatrizes em forma de traumas, culpa e vergonha.

Mas, apesar de toda a dor envolvida, Herdeiras do Mar é um livro redentor. Com Hana, honra a história das “mulheres de consolo”. E com Emi, mantém viva a tradição secular das haenyeo, as mulheres mergulhadoras da ilha de Jeju, na Coreia. E, desafiando barreiras culturais e temporais, Mary Lynn Bracht conecta diretamente as trajetórias das duas irmãs à nossa realidade.

Afinal, independentemente do contexto, nós somos herdeiros da história daqueles que vieram antes de nós. E heranças vêm em forma de dores, aprendizados, conquistas e também privilégios. O nosso, aqui no século 21, em um país como o Brasil (apesar de tudo), é poder almejar a felicidade, viver em vez de apenas sobreviver. Que possamos reconhecer esse privilégio e usá-lo com sabedoria.

*Contém gatilhos de violência sexual e violência contra a mulher

Título original: White Chrysanthemum
Editora: Paralela
Autora: Mary Lynn Bracht
Tradução: Julia de Souza
Publicação original: 2018

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