Querido Justyce,
Eu estava ansiosa para conhecer a sua história. Esperava que ela me trouxesse muitos aprendizados e reflexões. Mas, caramba, Justyce… Você acabou comigo. Em determinado ponto, eu precisei fechar o livro para respirar. Literalmente.
As experiências que você compartilhou mostraram como a realidade pode ser cruel. E como descobrir que a realidade pode ser cruel é ainda mais cruel. E confuso. E difícil. Às vezes, parece até impossível. Mas, acredite, você se saiu muito bem.
Impossível mesmo é adentrar a sua vivência, Justyce, e não enxergar como o racismo se manifesta no tempo em que vivemos. Como você mesmo disse, “pode até não haver mais bebedouros para pessoas ‘de cor’, e racismo agora é crime”, mas existem tantas formas de discriminar, agredir e ferir as pessoas negras, não é mesmo?
Os personagens que conheci em sua jornada também me ensinaram muito. Alguns, como Jared, pelos caminhos errados. Sabe quando falamos “o exemplo do que não fazer”? Foi exatamente o que vi nele em muitos momentos. Já SJ mostrou que as pessoas brancas (ou não-brancas, mas que se beneficiam do privilégio branco, como eu) podem e devem contribuir para a luta antirracista.
Justyce, sua história é dolorosa. Ainda mais por saber que ela não existe apenas na ficção. Que milhões de pessoas mundo afora não têm o privilégio de fechar o livro para respirar, como eu fiz. E eu lamento que você e tantos precisem passar por situações assim. Que nós, como sociedade, os obrigamos a isso.
É por isso que, muitas vezes, você sentiu que tudo não passava de uma batalha perdida. E eu entendo. É muito fácil, talvez até vazio, tentar te convencer do contrário quando o simples fato de existir não é uma ameaça à minha própria existência. Mas a pergunta que o Doc te fez reverbera em mim desde então: “se nada no mundo mudar, que tipo de pessoa você prefere ser?”.
Eu não sei exatamente. Mas eu sei o que eu não quero ser: alguém que só enxerga e acredita na realidade que me convém.
Então, sim, Jus… Sua história é dolorosa de uma forma que eu estaria mentindo se dissesse que conheço. Mas se a dor é real para você e para tantos… Eu sei que ela pode se transformar em algo real para mim também.
Título original: Dear Martin
Autora: Nic Stone
Tradutora: Thais Paiva
Editora: Intrínseca
Publicação original: 2017