Se eu já não soubesse que Chimamanda Ngozi Adichie é genial, teria descoberto com Hibisco Roxo.
A história de Kambili se passa na Nigéria, em um contexto que envolve o fanatismo religioso e as reminiscências da colonização. A família da adolescente vive sob as regras rígidas do pai, Eugene, um católico fervoroso e completamente avesso às tradições religiosas africanas – tanto que praticamente ignora a existência do próprio pai. Mas, quando vão passar uma temporada na casa da tia, Kambili e o irmão, Jaja, enxergam o quanto a intolerância do pai está destruindo a vida de toda a família.
Hibisco Roxo é um daqueles livros difíceis de falar sobre. Porque pode ser visto como “apenas” uma boa – e surpreendente – história sobre uma família extremamente patriarcal. Ou algo além disso: um retrato da Nigéria não apenas sob a ótica religiosa, como também política e social.
Chimamanda é conhecida por abordar questões de raça e gênero de maneira ímpar. E a história de Kambili não foge à regra. No entanto, a forma como ela o faz em Hibisco Roxo é completamente diferente do que vemos em Americanah – o que só mostra a versatilidade da autora. Em seu primeiro romance, publicado em 2003, ela nos faz sentir raiva da apatia de Kambili e de sua mãe. Para, em seguida, nos lembrar de que a dinâmica com Eugene, por mais absurda que seja, é tudo o que elas conhecem.
Eugene, aliás, é um personagem peculiar. Dentro de casa, um pai e marido extremamente opressor, que comete diferentes tipos de abusos. Mas, na sociedade, um homem digno e respeitável. Os dois extremos nos fazem pensar não apenas sobre aspectos do machismo, mas principalmente na falta de credibilidade que acompanha as mulheres. Tal questionamento fica mais evidente no final do livro, e é incrível a forma como Chimamanda insere a reflexão na narrativa.
As questões de raça não são abordadas de maneira tão objetiva em Hibisco Roxo quanto em Americanah. Mas aparecem sob a perspectiva do pós-colonialismo. Ou seja, na forma das “heranças” deixadas pelos países colonizadores, especialmente em relação à religiosidade branca – o que nos dá muito o que pensar também enquanto brasileiros.
Acredito que tenha ficado claro o quanto esta leitura foi rica – tanto em relação aos temas abordados, quanto à história em si. Um livro completo, Hibisco Roxo nos ensina sobre a cultura nigeriana, faz críticas, provoca reflexões e surpreende com um desfecho de tirar o fôlego!
Título original: Purple Hibiscus
Autor: Chimamanda Ngozi Adichie
Tradutor: Julia Romeu
Editora: Companhia das Letras
Ano: 2003