“Nádia nunca gostou de circo. Quer dizer, não tanto do circo, mas dos palhaços. Medo nunca foi a questão. No entanto, ela sempre enxergou neles o oposto do que deveria: em vez de alegria, uma certa tristeza escondida sob camadas de maquiagem. Mas foi justamente sob a tenda de um circo que Nádia encontrou o livro que conta a história de sua vida.
Quando sentiu o peso do livro com letras douradas sobre a capa dura bege, um arrepio percorreu sua espinha. Afinal, quando poderia imaginar que, um dia, teria seu passado, presente e futuro nas palmas das próprias mãos – literalmente? O homem misterioso que entregou o livro a Nádia insistiu que ela o abrisse e lesse. Mas ela não hesitou. Com os braços ainda estendidos, ofertou o livro de volta ao homem. E sem olhar para trás, literal e figurativamente, deixou a tenda com a certeza de que algumas histórias não foram feitas para serem lidas. Vivê-las deveria ser mais do que o suficiente”.*
Enquanto lia O Livro de Líbero, uma série de questionamentos e reflexões passearam pela minha mente. Mas o que me acompanhou durante toda a leitura foi: será que eu leria o livro da minha vida? Desde que li a sinopse da obra do brasileiro Alfredo Nugent Setubal, decidi que não, eu não leria o livro da minha vida. E conforme a história de Líbero Perim se desenrolava, mais a minha certeza crescia.
O Livro de Líbero é uma leitura difícil. Não em termos de linguagem ou narrativa – pelo contrário, a escrita de Setubal é de uma fluidez elegante e deliciosa. Mas no sentido de que machuca – como tudo aquilo que nos toca no fundo da alma.
Porque é impossível ler O Livro de Líbero e não se identificar. Não refletir sobre as escolhas que fazemos, e os caminhos pelos quais elas nos levam. Não se angustiar com o fato de que a vida é uma só. E não pensar sobre o quanto nossos erros e arrependimentos, muitas vezes, nos impedem de seguir em frente. O quanto permitimos que eles nos definam. E o quanto isso é doloroso.
Ler O Livro de Líbero foi realmente como assistir à vida de alguém acontecer. Não chorei, mas me emocionei de uma maneira mais profunda. Como se o impacto das escolhas e ações do protagonista se estilhaçasse, se transformando em cacos pontiagudos, salpicados sobre toda a sua existência – e será que não é assim também na realidade? Como se cada pedaço da vida de Líbero tivesse também um pedaço da minha. Porque, de fato, tem. Da de todos nós.
*não resisti à tentação de brincar com o momento em que eu teria a chance de ler (ou não) o livro da minha vida. Mas não se preocupem, a “minha” experiência foi bem diferente da de Líbero, portanto, não tem spoiler.
Autor: Alfredo Nugent Setubal
Editora: Intrínseca
Ano: 2020