27 de janeiro de 2013.
Eu estava de plantão no portal de notícias em que trabalhava em São Paulo. Ainda era cedo, talvez por volta das 8h, quando chegaram as primeiras notícias sobre um incêndio na cidade de Santa Maria. A princípio, ninguém imaginava a magnitude do que acontecera. No entanto, quando os 30, 40, 50, 60 mortos rapidamente se transformaram em mais de 100, 150, soubemos que não era algo grande. Era gigante.
Cinco anos se passaram, mas não preciso me esforçar para lembrar do chefe do plantão andando de um lado para outro da redação. Ainda tentando entender o que havia acontecido, tentando decidir o que fazer, quantos repórteres enviar para a cobertura. Foi pesado e, descobri ao ler Todo dia a mesma noite, que sempre será. E se é difícil para mim, que não estive lá, que não vi ninguém morrer, imagine para quem, naquele dia 27, perdeu uma parte de si? “Todo dia a mesma noite” não é exagero. É realidade.
Nó na garganta, peso no peito, lágrimas nos olhos. Foi assim que fiz a leitura da obra de Daniela Arbex. Ao compilar todos os fatos que cercaram aquela fatídica noite, a autora deu mais do que um rosto a algumas das vítimas do incêndio. Ela nos contou quem elas eram, do que gostavam, o que faziam. E se os números assustam, lembrar que existiram pessoas reais por trás deles não assusta, devasta.
A situação e o cenário de Santa Maria sempre foram comparados a um estado de guerra. E o mais triste é que não era “apenas” pela quantidade de mortos ou pelas fileiras de corpos dispostos no ginásio. Era porque aquela tragédia não foi um terremoto ou um furacão. Ela só aconteceu por causa do homem e de uma sucessão de graves negligências – dos proprietários da Boate Kiss, dos integrantes da Gurizada Fandangueira e também das autoridades. Outra “coincidência” foi que o incêndio em Santa Maria liberou cianeto, a mesma substância letal usada nas câmaras de gás do Holocausto.
O sofrimento das vítimas e a dor de seus familiares foram o foco de Daniela Arbex. No entanto, a jornalista abordou todos os pontos-chave da tragédia, equilibrando sensibilidade e assertividade e nos fazendo desejar que a história não passasse de ficção. As questões políticas e religiosas também fazem parte do livro, e nem mesmo a cobertura jornalística ficou impune.
Todo dia a mesma noite não nos deixa esquecer de uma tragédia que só aconteceu por negligência humana. Mas também nos lembra da solidariedade, que é tão inerente ao ser humano quanto a capacidade de errar. Jovens se sacrificaram ao tentar salvar amigos que ainda estavam dentro da boate. Pais enlutados ajudaram uns aos outros. Profissionais doaram seu tempo e até mesmo um pouco de sua sanidade. E isso é um pedacinho de dia em uma noite que parece não ter fim.
Título original: Todo dia a mesma noite
Editora: Intrínseca
Autora: Daniela Arbex
Publicação original: 2018
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